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Poemas de Manoel Bandeira
Poemas de Manoel Bandeira

Poemas De Manoel Bandeira

 

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.

São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.

São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.

São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.

Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.

E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares

Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.

Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares...
Perdão! digo quintanares.
Manuel Bandeira

 

ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira

 


O BICHO

VI ONTEM um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira

 

NEOLOGISMO

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Beijo pouco, falo menos ainda. 
Mas invento palavras 
Que traduzem a ternura mais funda 
E mais cotidiana. 
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. 
Intransitivo: 
Teadoro, Teodora.

Petrópolis 25/2/1947
Manuel Bandeira

 

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor_
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
Manuel Bandeira

 

Quando estás vestida,
Ninguém imagina 
Os mundos que escondes 
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia, 
Não temos noção 
Dos astros que luzem 
No profundo céu.

Mas a noite é nua, 
E, nua na noite, 
Palpitam teus mundos 
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos, 
Brilha o teu umbigo, 
Brilha toda a tua 
Lira abdominal.

Teus exíguos 
- Como na rijeza 
Do tronco robusto 
Dois frutos pequenos -

Brilham.) Ah, teus seios! 
Teus duros mamilos! 
Teu dorso! Teus flancos! 
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos 
Ficam nus também: 
Teu olhar, mais longe, 
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles, 
Bóio, nado, salto 
Baixo num mergulho 
Perpendicular.

Baixo até o mais fundo 
De teu ser, lá onde 
Me sorri tu'alma 
Nua, nua, nua...
Manuel Bandeira

 

O que eu adoro em ti 
Não é a tua beleza 
A beleza é em nós que existe 
A beleza é um conceito 
E a beleza é triste 
Não é triste em si 
Mas pelo que há nela 
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti 
Não é a tua inteligência 
Não é o teu espírito sutil 
Tão ágil e tão luminoso 
Ave solta no céu matinal da montanha 
Nem é a tua ciência 
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti 
Não é a tua graça musical 
Sucessiva e renovada a cada momento 
Graça aérea como teu próprio momento 
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti 
Não é a mãe que já perdi 
E nem meu pai

O que eu adoro em tua natureza 
Não é o profundo instinto matinal 
Em teu flanco aberto como uma ferida 
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que adoro em ti lastima-me e consola-me: 
O que eu adoro em ti é a vida!
Manuel Bandeira

 

Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.

Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela-d'alva
Rainha do mar.

Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.

(Estrela da Manhã)
Manuel Bandeira

 

POÉTICA 
Estou farto do lirismo comedido 
Do lirismo bem comportado 
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas. 
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais 
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção 
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador 
Político 
Raquítico 
Sifilítico 
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo 
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos 
O lirismo dos bêbados 
O lirismo difícil e pungente dos bêbados 
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira

 

Namorados

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
-Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listrada?
A moça se lembrava:
-A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
-Antônia, você parece uma lagarta listrada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
-Antônia, você é engraçada! Você parece louca.
Manuel Bandeira

 

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples!
Manuel Bandeira

 


Andorinha, andorinha lá fora esta cantando:
-Passei o dia a-toa, a-toa.
Andorinha minha canção é mais triste:
-Passei a vida a-toa, a-toa.´´
Manuel Bandeira

 

RENÚNCIA
Chora de manso e no íntimo... procura 
Tentar curtir sem queixa o mal que te crucia: 
O mundo é sem piedade e até riria 
Da tua inconsolável amargura.

Só a dor enobrece e é grande e é pura. 
Aprende a amá-la que a amarás um dia. 
Então ela será tua alegria, 
E será ela só tua ventura...

A vida é vã como a sombra que passa 
Sofre sereno e de alma sombranceira 
Sem um grito sequer tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira 
E pede humildemente a Deus que a faça 
Tua doce e constante companheira...
Manuel Bandeira

 

TU QUE ME DESTE O TEU CUIDADO...

Tu que me deste o teu carinho 
E que me deste o teu cuidado, 
Acolhe ao peito, como o ninho 
Acolhe ao pássaro cansado, 
O meu desejo incontentado.

Há longos anos ele arqueja 
Em aflitiva escuridão. 
Sê compassiva e benfazeja. 
Dá-lhe o melhor que ele deseja: 
Teu grave e meigo coração.

Sê compassiva. Se algum dia 
Te vier do pobre agravo e mágoa, 
Atende à sua dor sombria: 
Perdoa o mal que desvaria 
E traz os olhos rasos de água.

Não te retires ofendida. 
Pensa que nesse grito vem 
O mal de toda a sua vida: 
Ternura inquieta e malferida 
Que, antes, não dei nunca a ninguém.

E foi melhor nunca ter dado: 
Em te pungido algum espinho, 
Cinge-a ao teu peito angustiado. 
E sentirás o meu carinho. 
E setirás o meu cuidado.
Manuel Bandeira

 

Tu amarás outras mulheres
E tu me esquecerás!
É tão cruel, mas é a vida.
E no entretanto
Alguma coisa em ti pertence-me!
Em mim alguma coisa és tu.
O lado espiritual do nosso amor
Nos marcou para sempre.
Oh, vem em pensamento nos meus braços!
Que eu te afeiçoe e acaricie...

Não sei porque te falo assim de coisas que não são.
Esta noite, de súbito, um aperto
De coração tão vivo e lancinante
Tive ao pensar numa separação!
Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo.
Queria ver-te... estar ao pé de ti...
Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me!

É como uma corrida, em minhas veias,
De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos
Que queriam tomar tua cabeça amada,
Afagar tua fronte e teus cabelos,
Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!

Oh, quisera não ser tão voluptuosa!
E todavia
Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia!
Mas faz sofrer... inquieta...
Ah, com que poderei contentá-la jamais?
Quisera calmá-la na música...
Ouvir muito, ouvir muito...
Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica!

Possui-me como sou na ampla noite pressaga!
Sente o inefável!
Guarda apenas a ventura
Do meu desejo ardendo a sós
Na treva imensa...
Ah, se eu ouvisse a tua voz!
Manuel Bandeira

 

Beijo pouco, falo menos ainda
Mas invento palavras
Que traduzem a ternuar mais funda
E mais cotidiana
Inventei, por exemplo, o verdo teadorar
Intransitivo: Teadoro, Teodora
Manuel Bandeira

 

A Estrela 
Vi uma estrela tão alta, 
Vi uma estrela tão fria! 
Vi uma estrela luzindo 
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta! 
Era uma estrela tão fria! 
Era uma estrela sozinha 
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância 
Para a minha companhia 
Não baixava aquela estrela? 
Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra funda 
Responder que assim fazia 
Para dar uma esperança 
Mais triste ao fim do meu dia.
Manuel Bandeira

 

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.
Manuel Bandeira

 

A Estrela 
Vi uma estrela tão alta, 
Vi uma estrela tão fria! 
Vi uma estrela luzindo 
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta! 
Era uma estrela tão fria! 
Era uma estrela sozinha 
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância 
Para a minha companhia 
Não baixava aquela estrela? 
Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra funda 
Responder que assim fazia 
Para dar uma esperança 
Mais triste ao fim do meu dia.
Manuel Bandeira

 

A Morte Absoluta
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.


Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.


Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?


Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.


Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."


Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.
Manuel Bandeira